sexta-feira, 20 de maio de 2016

De como a política seleciona os piores


Embora tenhamos de levar em conta que os crimes de responsabilidade imputados à presidente Dilma Rousseff são contestados por juristas de renome, que a consideram inocente, não se pode negar que uma pane ética de proporções inéditas alcançou o sistema nervoso central de dois dos Poderes de República: o Executivo e o Legislativo. Talvez Dilma não seja culpada, mas o resto…

Nisso, nesse atestado de falência que ninguém proclama, mas ninguém rejeita, estamos de acordo. Você pode achar que Michel Temer é o salvador da Pátria ou pode achar que Michel Temer é golpista, não importa. Uma coisa você não vai negar: a dinâmica eleitoral no Brasil, em vez de premiar a virtude, o compromisso público, a retidão e a competência, acabou se convertendo num sistema que consagra apenas a esperteza mais baixa e a incompetência mais atroz, à direita e à esquerda. Exceções existem, é claro. São exceções.

Como chegamos a isso? A presente pane ética resultou de uma overdose prolongada do desvios. Levaram o vício tão longe, a um paroxismo tão alucinado, que o sistema que tinha regras ocultas para burlar as regras públicas entrou ele também em colapso. O organismo da corrupção deu “tilt”. Na aparência dessa pane, vemos a burocracia hipertrofiada que se debate sem nenhuma eficácia, vemos a profusão de decisões disparatadas, vexatórias, e a judicialização de tudo e mais um pouco.

Por baixo da aparência, no subterrâneo da crise e dos muitos escândalos diários, estende-se longa história de um modelo de poder assentado em privilégios e abusos, um modelo muito anterior aos mandatos do PT, que soube inventar seu método próprio de reprodução e preservação. O seu método não se resume ao sistema eleitoral vigente, mas aprendeu a se beneficiar dele. A seleção dos piores interessa ao parasitismo instalado no Estado, e é por isso que essa seleção se instalou e se vem perpetuando.

O Congresso Nacional que aí está – eleito e indefinidamente reeleito com base no velho modelo viciado – não tem legitimidade para votar a matéria que decidirá sobre as regras em que se assentam os privilégios dos atuais parlamentares. Não há uma trilha segura para as mudanças necessárias. Uns, de boa-fé, levantam a bandeira de uma nova Constituinte, ou de uma Constituinte exclusiva. Pode ser que estejam certos, mas o futuro é incerto. Haverá energia política, haverá organização da sociedade civil para impor tudo isso? Provavelmente, não.

Diante desse “provavelmente, não”, quem sai ganhando é o modelo posto e os que nele se refestelam. Hoje, para “entrar na política” o sujeito precisa ter estômago e não pode ter coração. Vai conviver com uma circulação feérica de dinheiros sombrios e interesses secretos que são barra pesadíssima. Gente boa, quando passa perto, quer pular fora. Não consegue respirar. Um criminoso se sente em casa.

É por essas e outras que a política no Brasil aprendeu a selecionar os piores. E esses piores são obstinados, gananciosos. Vão ficando piores ainda a cada dia. A política virou a seleção natural às avessas.

Fonte: Eugênio Bucci

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