Embora tenhamos de levar em
conta que os crimes de responsabilidade imputados à presidente Dilma
Rousseff são contestados por juristas de renome, que a consideram
inocente, não se pode negar que uma pane ética de proporções inéditas
alcançou o sistema nervoso central de dois dos Poderes de República: o
Executivo e o Legislativo. Talvez Dilma não seja culpada, mas o resto…
Nisso, nesse atestado de falência que ninguém proclama, mas ninguém
rejeita, estamos de acordo. Você pode achar que Michel Temer é o
salvador da Pátria ou pode achar que Michel Temer é golpista, não
importa. Uma coisa você não vai negar: a dinâmica eleitoral no Brasil,
em vez de premiar a virtude, o compromisso público, a retidão e a
competência, acabou se convertendo num sistema que consagra apenas a
esperteza mais baixa e a incompetência mais atroz, à direita e à
esquerda. Exceções existem, é claro. São exceções.
Como chegamos a isso? A presente pane ética resultou de uma overdose
prolongada do desvios. Levaram o vício tão longe, a um paroxismo tão
alucinado, que o sistema que tinha regras ocultas para burlar as regras
públicas entrou ele também em colapso. O organismo da corrupção deu
“tilt”. Na aparência dessa pane, vemos a burocracia hipertrofiada que se
debate sem nenhuma eficácia, vemos a profusão de decisões disparatadas,
vexatórias, e a judicialização de tudo e mais um pouco.
Por baixo da aparência, no subterrâneo da crise e dos muitos
escândalos diários, estende-se longa história de um modelo de poder
assentado em privilégios e abusos, um modelo muito anterior aos mandatos
do PT, que soube inventar seu método próprio de reprodução e
preservação. O seu método não se resume ao sistema eleitoral vigente,
mas aprendeu a se beneficiar dele. A seleção dos piores interessa ao
parasitismo instalado no Estado, e é por isso que essa seleção se
instalou e se vem perpetuando.
O Congresso Nacional que aí está – eleito e indefinidamente reeleito
com base no velho modelo viciado – não tem legitimidade para votar a
matéria que decidirá sobre as regras em que se assentam os privilégios
dos atuais parlamentares. Não há uma trilha segura para as mudanças
necessárias. Uns, de boa-fé, levantam a bandeira de uma nova
Constituinte, ou de uma Constituinte exclusiva. Pode ser que estejam
certos, mas o futuro é incerto. Haverá energia política, haverá
organização da sociedade civil para impor tudo isso? Provavelmente, não.
Diante desse “provavelmente, não”, quem sai ganhando é o modelo posto
e os que nele se refestelam. Hoje, para “entrar na política” o sujeito
precisa ter estômago e não pode ter coração. Vai conviver com uma
circulação feérica de dinheiros sombrios e interesses secretos que são
barra pesadíssima. Gente boa, quando passa perto, quer pular fora. Não
consegue respirar. Um criminoso se sente em casa.
É por essas e outras que a política no Brasil aprendeu a selecionar
os piores. E esses piores são obstinados, gananciosos. Vão ficando
piores ainda a cada dia. A política virou a seleção natural às avessas.
Fonte: Eugênio Bucci
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