Uma
proposta que está sendo gestada em Brasília pode apagar a Grécia da História.
Ironicamente ela não afetará nenhum cidadão grego, mas pode ser devastadora
para os brasileiros.
Não, o
Brasil não mandará tropas ao mar Egeu. A proposta se refere a mudanças no que
as quase 200 mil escolas brasileiras deverão ensinar aos seus alunos em todas
as disciplinas, a chamada Base Nacional Comum Curricular. Uma organização assim
é bem-vinda. Entretanto, para ser benéfica, deve ser muito cuidadosa nos
conteúdos propostos. E aí está o problema.
Evidentemente
a educação é a mais poderosa ferramenta de controle de um povo. E a disciplina
de História tem papel crucial nessa tarefa, pois apresenta elementos capazes de
moldar a moral do cidadão. Não é de se espantar, portanto, que todos os regimes
totalitários lancem mão desse recurso odioso.
No Brasil
mesmo, temos o exemplo do currículo imposto pelo governo militar, que distorceu
à vontade a história do país para criar uma geração dócil e pouco contestadora.
O próprio currículo atual está longe de ser perfeito, sendo resultado de um
arremedo do que sobrou do currículo militar com discussões mal-ajambradas da
academia desde então, além da ideologia de cada autor.
Mas,
afinal, o que o MEC está propondo para História?
Ameríndios
e africanos versus europeus
A proposta
do MEC parte de um pressuposto interessante é válido: como os fatos culminaram
na atual sociedade brasileira. Mas a situação se deteriora rapidamente quando
observamos os conteúdos propostos para se atingir esse objetivo pedagógico.
Pela
proposta, o ensino de qualquer coisa anterior às Grandes Navegações foi
eliminado, incluindo aí a formação dos povos mesopotâmicos, egípcios, hebreus,
gregos, romanos, além de todos os Estados europeus, pedras fundamentais da
cultura ocidental, inclusive da brasileira.
O
currículo atual, bastante centrado na Europa, daria lugar a uma proposta
fortemente focada em civilizações ameríndias e africanas. Todo o estudo da
Antiguidade, Idade Média, Renascimento é eliminado, incluindo o surgimento e a
disseminação do Cristianismo, do Judaísmo e do Islamismo. Em seu lugar, entram
o contexto político dos povos indígenas brasileiros e da África subsaariana às
vésperas da Conquista. E até temas para lá de questionáveis para a formação do
cidadão brasileiro, como a independência do Haiti e a Revolução Boliviana
ocupariam as aulas de história.
É
inegável a influência dos índios e dos africanos em nossa cultura e elas
merecem ser mais bem apresentadas do que são hoje. Mas de forma alguma isso
pode acontecer em prejuízo de outros elementos definidores dela, a maioria mais
importantes que os agora propostos. Pois, queiram ou não, nossa cultura e
nossas organizações social, política, legal tem base europeia.
Pela nova
proposta, eventos históricos europeus só são considerados naquilo que, de
alguma forma, se relacionem com o Brasil. Mas como entender a independência do
nosso país sem entender que a Corte portuguesa só veio ao país fugindo das
Guerras Napoleônicas? É como entendê-las sem compreender a formação do Estado
francês, que por sua vez está ligado, em suas raízes, ao fim do Império Romano.
Esse, por sua vez, construído sobre a cultura de um país por eles dominado
militarmente (mas não culturalmente) séculos antes: os mesmos gregos do início
deste artigo.
Essa
proposta, que, a despeito da consulta pública, é completamente desconhecida da
população, precisa ser, portanto, discutida e modificada dramaticamente!
Entretanto, o pouco tempo disponível (cerca de seis meses) e a falta de
divulgação e transparência nos processos me fazem sinceramente temer pelo
resultado final.
A
História, apresentada de maneira ampla e sem viés ideológico, é uma essencial
para a formação, manutenção e evolução de qualquer sociedade. Estamos em um
momento precioso para fazer isso direito, mas a proposta atual corre exatamente
em sentido contrário.
Afinal,
como nós estudamos na escola, conhecendo a história, compreendemos o presente e
criamos um futuro melhor para todos. Mas, com a proposta em questão, temo que
nossos filhos e netos não terão a mesma oportunidade de desenvolver essa visão
crítica do mundo.
Fonte: Estadão
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