terça-feira, 26 de janeiro de 2016

A Grécia está prestes a ser varrida da História



Uma proposta que está sendo gestada em Brasília pode apagar a Grécia da História. Ironicamente ela não afetará nenhum cidadão grego, mas pode ser devastadora para os brasileiros.


Não, o Brasil não mandará tropas ao mar Egeu. A proposta se refere a mudanças no que as quase 200 mil escolas brasileiras deverão ensinar aos seus alunos em todas as disciplinas, a chamada Base Nacional Comum Curricular. Uma organização assim é bem-vinda. Entretanto, para ser benéfica, deve ser muito cuidadosa nos conteúdos propostos. E aí está o problema.


Evidentemente a educação é a mais poderosa ferramenta de controle de um povo. E a disciplina de História tem papel crucial nessa tarefa, pois apresenta elementos capazes de moldar a moral do cidadão. Não é de se espantar, portanto, que todos os regimes totalitários lancem mão desse recurso odioso.


No Brasil mesmo, temos o exemplo do currículo imposto pelo governo militar, que distorceu à vontade a história do país para criar uma geração dócil e pouco contestadora. O próprio currículo atual está longe de ser perfeito, sendo resultado de um arremedo do que sobrou do currículo militar com discussões mal-ajambradas da academia desde então, além da ideologia de cada autor.


Mas, afinal, o que o MEC está propondo para História?


Ameríndios e africanos versus europeus


A proposta do MEC parte de um pressuposto interessante é válido: como os fatos culminaram na atual sociedade brasileira. Mas a situação se deteriora rapidamente quando observamos os conteúdos propostos para se atingir esse objetivo pedagógico.


Pela proposta, o ensino de qualquer coisa anterior às Grandes Navegações foi eliminado, incluindo aí a formação dos povos mesopotâmicos, egípcios, hebreus, gregos, romanos, além de todos os Estados europeus, pedras fundamentais da cultura ocidental, inclusive da brasileira.


O currículo atual, bastante centrado na Europa, daria lugar a uma proposta fortemente focada em civilizações ameríndias e africanas. Todo o estudo da Antiguidade, Idade Média, Renascimento é eliminado, incluindo o surgimento e a disseminação do Cristianismo, do Judaísmo e do Islamismo. Em seu lugar, entram o contexto político dos povos indígenas brasileiros e da África subsaariana às vésperas da Conquista. E até temas para lá de questionáveis para a formação do cidadão brasileiro, como a independência do Haiti e a Revolução Boliviana ocupariam as aulas de história.


É inegável a influência dos índios e dos africanos em nossa cultura e elas merecem ser mais bem apresentadas do que são hoje. Mas de forma alguma isso pode acontecer em prejuízo de outros elementos definidores dela, a maioria mais importantes que os agora propostos. Pois, queiram ou não, nossa cultura e nossas organizações social, política, legal tem base europeia.


Pela nova proposta, eventos históricos europeus só são considerados naquilo que, de alguma forma, se relacionem com o Brasil. Mas como entender a independência do nosso país sem entender que a Corte portuguesa só veio ao país fugindo das Guerras Napoleônicas? É como entendê-las sem compreender a formação do Estado francês, que por sua vez está ligado, em suas raízes, ao fim do Império Romano. Esse, por sua vez, construído sobre a cultura de um país por eles dominado militarmente (mas não culturalmente) séculos antes: os mesmos gregos do início deste artigo.



Essa proposta, que, a despeito da consulta pública, é completamente desconhecida da população, precisa ser, portanto, discutida e modificada dramaticamente! Entretanto, o pouco tempo disponível (cerca de seis meses) e a falta de divulgação e transparência nos processos me fazem sinceramente temer pelo resultado final.


A História, apresentada de maneira ampla e sem viés ideológico, é uma essencial para a formação, manutenção e evolução de qualquer sociedade. Estamos em um momento precioso para fazer isso direito, mas a proposta atual corre exatamente em sentido contrário.


Afinal, como nós estudamos na escola, conhecendo a história, compreendemos o presente e criamos um futuro melhor para todos. Mas, com a proposta em questão, temo que nossos filhos e netos não terão a mesma oportunidade de desenvolver essa visão crítica do mundo.



Fonte: Estadão

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